9 de ago. de 2018

Uso do celular com frequência podem aumentar déficit de atenção em adolescentes

Pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia (USC), nos Estados Unidos, investigaram se existe relação o uso excessivo de aparelhos digitais e sintomas de déficit de atenção. O resultado do trabalho, publicado nesta terça-feira no “Journal of the American Medical Association”, indica que sim. Jovens considerados usuários intensivos de dispositivos como celulares, tablets, videogames e outras mídias têm duas vezes mais probabilidade de apresentar sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) do que usuários pouco frequentes. 

Os cientistas ressaltam que não se pode falar em relação de causa e efeito: não é porque o adolescente usa muitos aparelhos digitais que ele desenvolverá o problema psiquiátrico. No entanto, existe uma estreita associação entre os dois aspectos. Na avaliação de alguns especialistas, essa relação seria, aliás, inversa: quem tem déficit de atenção é que se sentiria mais atraído por dispositivos eletrônicos.

Os pesquisadores americanos observaram o comportamento de 2,6 mil adolescentes ao longo de dois anos. O foco foram as consequências para a saúde mental de uma geração que tem as diversões digitais presentes em todos os lugares e a todo momento. Entre elas estão as mídias sociais, o streaming de vídeo, as mensagens de texto, os downloads de músicas, os chats on-line, e outros. A pesquisa difere de outras feitas anteriormente, que associavam o transtorno apenas ao excesso de televisão.

Um terço do dia on-line

Uma pesquisa recente da “Common Sense Media”, uma organização sem fins lucrativos, mostrou que adolescentes passam cerca de um terço de seu dia — quase nove horas — usando mídias on-line. Já uma pesquisa publicada no mês passado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA mostrou que 43% dos estudantes do ensino médio usavam mídias digitais por três ou mais horas todos os dias. Embora a popularidade dessas ferramentas entre crianças e adolescentes seja bem conhecida, os impactos delas sobre sua saúde mental não são.

No estudo da USC, os cientistas começaram a análise com 4,1 mil estudantes, com idades entre 15 e 16 anos, em dez escolas públicas de Los Angeles. Os colégios tinham status demográfico e socioeconômico misto. Em seguida, o número de participantes foi reduzido, descartando-se aqueles que já tinham sintomas de TDAH. Assim, restaram 2.587 estudantes. O objetivo dos cientistas foi começar a pesquisa com uma ficha em branco, para conseguir determinar a ocorrência de sintomas novos durante os dois anos que se seguiriam.

Os pesquisadores perguntaram aos alunos com que frequência eles usavam 14 plataformas populares de mídia digital. Essa frequência foi dividida em três categorias: sem uso, uso médio e alto uso. Entre 2014 e 2016, os cientistas monitoraram os estudantes a cada seis meses. Eles procuraram determinar se o uso de mídia digital na primeira avaliação estava associado a sintomas de TDAH rastreados até a última avaliação, dois anos depois.

Ao final da pesquisa, 9,5% das 114 crianças que usavam metade das plataformas de mídia digital frequentemente e 10,5% das 51 crianças que usavam todas as 14 plataformas frequentemente tinham sintomas de TDAH.

Em contrapartida, 4,6% dos 495 estudantes que não eram usuários frequentes de atividades digitais tinham sintomas do transtorno, o que se aproxima da taxa da população em geral. Metade da incidência entre os usuários intensivos.

Para o pesquisador, os dados encontrados ajudam a preencher uma lacuna importante na compreensão de como dispositivos de mídia móvel e opções de conteúdo aparentemente ilimitadas representam risco para crianças e adolescentes. E as descobertas servem de alerta no momento em que a mídia digital se torna mais rápida e estimulante.

Na visão do neurologista pediátrico Eduardo Jorge Custódio da Silva, que é membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e médico do Hospital Pedro Ernesto, a exposição excessiva a mídias digitais tendem, sim, a ocasionar uma maior desatenção. E essa desatenção pode ser grave, muito semelhante a sintomas de TDAH — dificuldade de concentração, hiperatividade e ansiedade —, mas não levarão ao desenvolvimento do transtorno propriamente dito.

— Esta é uma geração que tem dificuldade de se concentrar, sem dúvida. Porque é multitarefa, tem acesso a muitas telas e estímulos ao mesmo tempo. Mas as mídias não vão causar TDAH. Elas podem exacerbar sintomas e piorar o quadro de quem já tem o transtorno — diz ele. — O fato é que o cérebro da criança e do adolescente é altamente maleável, e não sabemos muito bem o que essa grande quantidade de estímulos pode causar no longo prazo. Então, muitos outros estudos precisam ser feitos.

TDAH pode explicar atração pelo mundo digital

Segundo o psiquiatra infantil Fabio Barbirato, da Santa Casa de Misericórdia do Rio, o mais provável é que o uso excessivo de mídias digitais seja uma consequência do TDAH, e não o contrário. Ele explica que a região do cérebro vinculada à atenção e ao prazer é a mesma: o córtex pré-frontal. Logo, quando a pessoa com déficit de atenção sente prazer ao usar algum aparelho eletrônico, como smartphone ou videogame, ela passa a só focar naquela atividade.

— Quando algo nos atrai, somos estimulados a dar atenção àquilo. Isso ocorre com todo mundo. Mas quem tem TDAH tem uma uma disfunção na capacidade de atenção, não consegue se concentrar em muitas coisas. Se ele se concentra em uma porque gosta muito, a tendência é que ele só queira aquela atividade. E é aí que surge o excesso.

Distúrbio tem genética como maior causa


O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um distúrbio neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. É uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção, este é o distúrbio mais comum em crianças e adolescentes encaminhados para serviços especializados em saúde mental. Ele ocorre em 3% a 5% dos casos, nas diferentes regiões do mundo em que foi pesquisado.

A causa principal é a hereditariedade: há alguns genes que parecem ser responsáveis não pelo transtorno em si, mas por uma predisposição ao TDAH. O problema também pode ser causado por substâncias ingeridas na gravidez. Estudos já observaram que a nicotina e o álcool, por exemplo, quando ingeridos na gestação, podem gerar alterações em algumas partes do cérebro do bebê, incluindo a região frontal orbital, que é a responsável pela atenção, o autocontrole e a capacidade de planejamento.

Uma série de estudos indica que problemas familiares podem agravar um quadro de TDAH, mas não causá-lo. O transtorno costuma gerar sintomas em três áreas: no comportamento, na cognição e no humor. Na primeira, é comum que a pessoa apresente agressividade, hiperatividade e impulsividade. Com relação à capacidade cognitiva, ela em geral mostra dificuldade de concentração e falta de atenção. Já quanto ao humor, o paciente pode apresentar ansiedade, excitação e raiva. Também é comum que a pessoa com TDAH desenvolva depressão.

Fonte: Site O globo.

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